Eis alguns retratos de Portugal pela pena corrosiva de Guerra Junqueiro nas “Anotações” anexas à sua obra “Pátria” publicada em 1896:
“ (…Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro”; “Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País”; “A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas”;
“Dois partidos (…) sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, (…)”;
”Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio”; “Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante, o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários”;
“E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares [...] teremos em sintético esboço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís (…).”
Pelo que se pode ler, e do resto que não coube nesta coluna, conclui-se que o drama nacional não é episódico. É idiossincrático.
José Luis Seixas