O Natal dos nossos avós e dos avós dos nossos avós era diferente. Era, sobretudo, mais pobre. Não é preciso ser velho ou demasiado velho para recordar esses tempos difíceis de pedintes a bater às portas conformados com a ideia que o fim, o seu único fim, era mesmo acabar a pedir.
Aliás, este era o maior drama: uma esmagadora maioria conformava-se com esta ordem estabelecida. Viver pobre não era uma fatalidade: era um destino. Um destino a que muitos no Portugal velho não fugiam.
Depois havia os que viviame os que, por motivos vários, incluindo os donos da terra, eram um pouco mais abastados e tinham na caridade uma das formas de manifestar a sua grandeza de , que sempre existiram. Mas esta breve viagem ao passado, ao cenário dum Natal que, apesar de tudo, era vivido com fé e alegria, tem um único objectivo: manifestar perplexidade perante os novos defensores da caridade mais ou menos envergonhada, que agora as televisões trazem em doses industriais até nossas casas. O descaramento, passadas cerca de três décadas do 25 de Abril, apoderou-se de muita gente que no papel de
, incluindo no Governo, são o espelho dum novo e ignóbil conformismo. Não que as pessoas em dificuldades pontualmente não necessitem de ser ajudadas, mas aceitar de novo
como sistema, sem uma palavra de revolta, sem um apelo ao bom senso de quem nos governa, mas antes dando cobertura às suas políticas, é de uma baixeza que os mais abastados, muitas vezes na sua simplicidade, no passado não tinham. D. Hélder da Câmara, bispo do Brasil, afirmou um dia que enquanto andou a dar esmolas aos pobres chamaram-lhe santo, quando começou a dizer que os pobres e os mais necessitados também tinham direitos, passaram a chamar-lhe comunista. E parece que é nisto que estão interessados os defensores desta nova ordem estabelecida: há muitos candidatos a
convencidos que estar calados é o único e verdadeiro caminho. Pelo menos denunciem!…
Digam que há hospitais em ruptura, falta medicamentos, gente a viver ao relento, legiões de jovens e menos jovens à beira do abismo. Digam, sobretudo os responsáveis pela comunicação social, que não tem de ser assim. Não incutam nas pessoas a ideia de que se trata de um fatalismo, quando as actuais dificuldades são apenas o resultado do mau trabalho dos governantes e das suas políticas. No mínimo, não optem pelo silencio, que é muitas vezes o cumulo de todos os cinismos.
Enfim, não há luz no Natal dos nossos dias.
Veremos se o futuro será diferente e se os homens, uma vez por todas, ganham juízo.
António A. Brandão