Ontem mesmo, no Congresso das Alternativas Democráticas, ouvi uma ou outra pessoa assacar as culpas da situação catastrófica em que vivemos aos “6 anos de governação socialista”.
Fico sempre surpreendida – ou não? – quando vejo gente de esquerda absorver o discurso cuspido e escarrado a partir de 2007 pela direita, histérica por chegar ao poder.
Um discurso que andou por todo o lado, na imprensa do costume, nos doutrinadores de serviço, sabendo da sua mentira, um discurso apoiado na crise 2007-2010, já então a maior de que tínhamos memória em 80 anos, para usar de 3 anos de evidente crime internacional um mote para o sound bite “os últimos seis anos do PS”.
Aflige-me gente de esquerda, que tem de ter na sua identidade genética um profundo desprezo e uma atenta identificação dos culpados do que se passou a partir de 2007, os mercados financeiros internacionais, o seu comportamento de ganância desumana, os crimes conhecidos de 2007, em vez de se horrorizar com as consequências que estes poderes desregulados e sem rosto tiveram nas nossas vidas, em vez de bramirem contra o capitalismo selvagem, prefiram atacar os políticos que há data governavam e tentavam resistir-lhes.
Repetem e repetem a frase desta maioria: que o anterior Governo subiu a dívida em 38%.
“Seis anos – dizem”.
De que falam?
Sem crise internacional, sem contágio da crise dos mercados financeiros, o anterior Governo, nos seus primeiros anos – é que foram realmente 6 –, reduziu o défice deixado pela direita PSD/CDS, que governou sem crise, de 6, 8 para 3%.
Foi o Governo da reforma da segurança social, foi o Governo da reforma da energia, foi o Governo da reforma da Educação (Inglês no básico ou as novas oportunidades), foi o Governo da simplificação administrativa, de muita coisa, que pelo meio terá errado, sim, essa coisa exclusiva de quem é eleito e estranha a quem nunca tem os votos dos portugueses para tanto.
O tal “Governo de seis anos” foi atingido pela crise que atingiu todos. Sim, a dívida subiu – não nos seis anos – mas no final, 38%. Culpa do anterior Governo? Talvez. Mas então também culpa sua que na mesma altura a dívida do Reino Unido tenha subido 58%, que a dívida da Espanha tenha subido 60%, que a dívida dos EUA tenha subido 53%, que a dívida média da UE tenha subido 34% ou mesmo que a dívida da Irlanda tenha subido 200%.
O que fizeram estes Governantes foi o seu dever. Enquanto recebiam ondas de crise faziam uma outra dívida, a da proteção dos mais fracos.
Por isso aflige-me que gente de esquerda grite mais contra um homem do que contra todo um sistema selvagem que supostamente repudiam ideologicamente, precisamente porque uma coisa destas, a crise que começou em 2007, criminosa, pode acontecer.
Podendo acontecer, quem é de esquerda não alinha em políticas que têm o mesmo resultado das ditas crises. Começa precisamente por aí, por se arrepiar com a correria com que a direita, aliando-se à extrema-esquerda, quis ir para o poder, nas tintas para a palavra dada, como se está a ver, e executando o que um monstro financeiro poderoso e invisível executaria.
O mal não são “os últimos seis anos do PS” ou dos Governantes que enunciei.
O mal é outro e ameaça a democracia.
O resgate a fazer é esse: o da democracia, que é como quem diz o resgate de escolhas. Renegociar. Bater o pé. Juntarmo-nos à Espanha, à Itália, à Grécia – já agora não faltar a essas reuniões – e exigir uma mudança de política. Não há memória de tratados inalterados. Seria anedótico um acordo ser de pedra.
Liderar não é apresentar um programa selvagem à TROIKA e anunciar com cara de puto que se passou no exame, que se “cumpriu”, à custa de “incumprir” com todos nós.
Liderar é estar ao lado do povo e dizer que a mudança impõe-se.
Contestar é querer exatamente isto, prevenir da adesão do Governo à imoralidade de um qualquer agente financeiro de 2007; não é, certamente, ilibar os criminosos do início desta história engolindo a mentira de uma tal “Governo de seis anos”.
Isabel Moreira
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