A minha escola

por Pedro Sousa em 24 de Maio de 2009

em Com a devida vénia,País

Eu andei sempre na escola pública. Tive bons colegas e maus colegas. Ricos e pobres. Limpos e sujos. Espertos e preguiçosos. Sou do tempo em que ainda havia a escola primária e o ciclo, em que havia furos e sempre que um professor faltava ficávamos por ali a deambular, em que os currículos não eram enriquecidos e não havia ninguém para me orientar o estudo. As coisas eram o que eram. Havia bons alunos e maus alunos e alunos médios. Havia os que já sabiam o que queriam ser quando fossem grandes, havia os que queriam ir para a universidade e os que se ficavam pelo caminho. Sem dramas. Havia chumbos e não havia cá recuperações nem programas especiais. Tive colegas que deixaram a escola no oitavo ano para se juntarem com o namorado, para terem filhos, para irem trabalhar numa oficina. Eu sou do tempo em que o balneário do ginásio tinha duche colectivo e quando as meninas estavam com o período pediam dispensa da ginástica ao professor porque não sabiam muito bem como resolver a coisa. Sou do tempo em que nas aulas de trabalhos manuais aprendíamos a fazer macramé e fada-do-lar (lembram-se?), em que fazíamos bonecos horrorosos em barro e chaveiros de madeira. Não tínhamos disciplinas com nomes pomposos mas aprendíamos a escrever à máquina e a redigir cartas comerciais. Os testes eram dados em stencil e, com sorte, nas aulas havia uns acetatos manhosos projectados no quadro. Fazíamos trabalhos de grupo, em cartolinas ou em folhas A4 escritas à mão – não havia internet nem copy-paste, era preciso ler livros e copiar letra a letra (e enquanto líamos e escrevíamos e passávamos a limpo e tudo isso, alguma coisa ia ficando na cabeça). Eu tive bons professores e maus professores. Péssimos e excelentes. Tive professores apaixonados, que não se limitavam a dar matéria, que não se limitavam à matéria. E tive professores que não faziam a mínima ideia do que estavam a ensinar (para terem uma ideia um dos meus professores de biologia é hoje, na mesma escola, professor de culinária). Tive professores que não sabiam domar as feras de doze anos, que eram gozados e aldrabados, que tinham alcunhas feias e que, se fosse hoje, teriam as aulas no youtube para serem criticados pelo país inteiro e quem sabe até com direito a processos disciplinares. Tive professores na faculdade que de doutores só tinham o nome, que se estavam a marimbar para nós, que não davam as aulas ou que só queriam que nós os ajudássemos a fazer investigação para as suas teses de doutoramento.
A minha escola tinha problemas, pois tinha, mas não foi nada disso que me fez ser pior pessoa ou mais burra ou mais inculta ou mais mal educada. Porque o mais importante da educação não vem da escola, vem de casa. O mais importante de tudo foi o que os meus pais me ensinaram. Uma ética que me fez ir sempre às aulas, que me coibia de cabular, que me fazia estudar sem ser obrigada (porque esse era o meu trabalho e porque ainda acreditávamos todos que o bom trabalho seria recompensado). Um brio que me fazia querer fazer as coisas bem feitas, ir para além da mediania, dar o máximo. Uma curiosidade que me fazia querer saber mais, não ficar só a a marrar para os testes mas gostar realmente de aprender. Sem isto, a escola até pode ser a melhor do mundo, ter milhares de magalhães e quadros interactivos, ter professores com a papelada toda em dia e currículos muito bonitos. Mas não adianta nada.

in http://agatachristie.blogspot.com

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